

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2026 foi celebrada como prova de responsabilidade fiscal. Superávit primário, corte de despesas, meta ajustada. O discurso oficial é o de sempre: “o Estado está fazendo a sua parte”. Mas o que não se diz — e o que importa — é quem está pagando essa conta e quem está lucrando com ela.
Enquanto os números do “ajuste” estampam manchetes, os dados silenciosos continuam operando: os juros da dívida pública seguem consumindo mais de R$ 700 bilhões por ano. O orçamento é comprimido, a máquina enxugada, os investimentos paralisados — mas o rentismo mantém-se inabalável, irrigado religiosamente com recursos públicos.
O Estado brasileiro se especializou em gerar superávit primário para sinalizar virtude, enquanto aceita passivamente a sangria do superávit financeiro que sustenta o sistema da dívida.
A elite econômica aplaude. Armínio Fraga, no tom habitual, reforça que “é preciso cortar onde dói”. Mas é curioso: a dor nunca chega aos bancos.
Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro dos EUA, tinha outra visão sobre dívida pública. Para ele, o endividamento do Estado era legítimo — desde que vinculado à criação de capacidade produtiva, infraestrutura, indústria nacional e fortalecimento da soberania econômica. No Relatório sobre as Manufaturas, ele afirma: “Os títulos públicos servem como capital, devido ao apreço de que gozam […] e à facilidade e rapidez com que podem ser convertidos em dinheiro.”
Ou seja, para Hamilton, dívida é ferramenta de construção. No Brasil, virou fim em si mesma — uma espécie de culto tecnocrático onde se sacrifica o crescimento em nome da reputação fiscal. E o curioso é que, mesmo com o povo apertado, os bancos continuam reportando lucros recordes. O Estado, em vez de indutor da produção, tornou-se um grande repassador de renda ao setor financeiro.
Não há banco de desenvolvimento, mas há o BNDES para garantir leilões.
Não há política industrial, mas há espaço fiscal para pagar juro real de 8,79%.
Não há crédito público para quem produz, mas sobra crédito privado para quem se endivida.
O resultado é perverso: empobrecimento programado da base produtiva e enriquecimento sistemático de quem vive da intermediação. O Estado brasileiro, hoje, não investe, transfere. Não fomenta, remunera. É um agente passivo dentro da própria economia.
E quando o povo exige resposta, a resposta é corte. A lógica da atual LDO não é corrigir distorções, mas aprofundá-las com selo de “responsabilidade”. É o ajuste que poupa os rentistas e penaliza a economia real. A reforma que nunca toca nos intocáveis.
Hamilton utilizou a dívida como alavanca de soberania.
O Brasil a utiliza como algema de submissão.
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