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O banco que virou território

A possível compra do aeroporto de Guarulhos pelo BTG Pactual não é apenas mais uma transação financeira. É a consolidação de um modelo em que a fronteira entre capital e comando se dissolve. Guarulhos é o maior aeroporto do país, um ativo que não conecta apenas voos, mas articula cadeias logísticas, rotas comerciais e vínculos territoriais. Controlar um hub como esse não é apenas operar um terminal — é administrar um ponto de influência sobre os fluxos que estruturam o país.

Mas o que chama atenção não é a compra em si. É o acúmulo de posições. Energia (Eneva), conectividade e dados (V.tal), solo agrícola (BTRA11), armazenagem e escoamento (BTAL11), exportação de commodities (Engelhart). Agora, o tráfego aéreo. O BTG não está comprando ativos soltos: está montando um sistema fechado, integrado, com presença em cada elo da infraestrutura real — da terra ao voo, do grão ao dado.

E nada disso ocorre por meio de artifícios escusos. Tudo se dá dentro das regras do jogo. Nenhuma lei é violada. Nenhum processo é oculto. Pelo contrário: o modelo é tecnicamente elegante e juridicamente blindado. E talvez por isso mesmo, invisível ao debate público. Disfarça-se de modernização, mas opera como substituição: onde antes havia diversidade institucional — Estado, empresas mistas, operadores setoriais — agora há verticalização sob um único comando financeiro.

Essa concentração avança com aval ou omissão dos próprios entes públicos. Os fundos de pensão estatais, acionistas de empresas como a Invepar, vão gradativamente cedendo espaço para estruturas privadas que operam com outra lógica: não a de prestação de serviço, mas a de geração de valor para acionistas. E isso não é um problema moral. É uma questão de estrutura. O que está em jogo não é se o BTG é “bom ou ruim”, mas o fato de que ele pode acumular, sem contraponto, o controle de ativos críticos sem que isso sequer entre no radar institucional do país.

Enquanto o discurso político se perde entre chavões de “livre mercado” e “estatização”, a engrenagem real gira fora do campo de visão. Soberania, nesse contexto, não se mede por quem está no Planalto, mas por quem controla a infraestrutura. Não se trata de defender estatal para tudo — mas de reconhecer que há um limite entre liberdade econômica e a formação de cartéis silenciosos com poder estrutural.

A pergunta, portanto, não é “quanto vale Guarulhos?” É: por que um banco precisa dele?” E por que o mesmo grupo que já opera energia, terra, fibra óptica e exportação agrícola, agora se posiciona também sobre aeroportos? O nome disso não é eficiência. É arquitetura de poder.

O BTG não está apenas ampliando seu portfólio. Está redesenhando o mapa do território nacional sob uma lógica privada, não eleita, não debatida e cada vez mais concentrada. O capital financeiro virou gestor de infraestrutura. E quem controla a infraestrutura, define os termos do futuro — sem precisar passar pelas urnas.

O Brasil não está sendo leiloado. Está sendo reconfigurado.

E a maior parte da classe política sequer percebe que já perdeu a chave.

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