

A feira internacional de iGaming — um nome mais elegante para o universo da jogatina das BETs, numa tentativa de polir a essência do setor — terminou ontem. Para quem presenciou o evento com um olhar crítico, testemunhou um espetáculo que mistura inovação tecnológica com uma preocupante falta de perspectiva. Entre estandes vibrantes, promessas de ganhos rápidos e uma atmosfera de otimismo artificial, um tema se destacou de forma inquietante: o entusiasmo de estados e municípios em criar suas próprias loterias como uma estratégia para engordar os cofres públicos. As loterias municipais, apresentadas como uma ideia revolucionária, pareciam ser a grande aposta para resolver problemas fiscais sem o esforço de políticas estruturadas.
A pergunta é: desde quando vender sonhos raramente realizáveis aos cidadãos virou sinônimo de gestão pública eficiente? Na ausência de projetos que gerem desenvolvimento genuíno, como investimentos em infraestrutura, educação ou geração de empregos, a solução proposta é transformar prefeituras em cassinos disfarçados.
Durante a feira, expressões como “jogue com moderação” e “maximize suas chances” ecoavam pelos corredores, enquanto ideias como planejamento, produção e crescimento sustentável pareciam ter sido deixadas do lado de fora da festa. A vida real, no entanto, passa longe do terno italiano bem cortado do dono da plataforma ou da Ferrari do influencer que indica a casa de aposta — símbolos de um sucesso que não se reflete na realidade da maioria. No fim das contas, quem vende a ilusão da prosperidade pelas apostas é quem leva o prêmio, enquanto os cidadãos ficam só na promessa e com os bolsos vazios.
Quem circulou pelo evento, especialmente aqueles que não são donos de plataformas, de gateways de pagamento, desenvolvedores de jogos ou influenciadores — ou seja, quem não lucra fortunas com esse mercado —, talvez tenha sentido a tentação de parar em um dos estandes e questionar: “Vocês estão por trás de algum projeto de longo prazo, como uma nova rodovia ou um polo industrial?”. A resposta, muito provavelmente, seria um silêncio constrangedor ou uma tentativa de desviar o foco para os números de arrecadação. Diante disso, muitos optaram por apenas observar o frenesi, refletir sobre o que viam e deixar o local com uma sensação de desconforto.
O que se observou naquela feira é a imagem de um Estado que abriu mão de sua responsabilidade de construir um futuro sólido. Apostar na institucionalização do jogo como política de arrecadação não é apenas eticamente duvidoso — é um sinal de que as prioridades estão completamente distorcidas. Se essa é a definição de “inovação” que estamos adotando, o que impede que, num futuro próximo, alguma prefeitura decida criar um cassino virtual municipal ou até mesmo um reality show de apostas, tudo em nome do “desenvolvimento econômico”?
O Brasil precisa mais do que atalhos que lucram com a esperança alheia. É fundamental que haja líderes comprometidos com o progresso real, que invistam em áreas como ciência, tecnologia e infraestrutura, em vez de se renderem à ilusão de soluções fáceis. A feira de iGaming pode ter atraído olhares curiosos e investidores ávidos; mas, para o observador crítico, o que ficou evidente é que estamos longe de um modelo de gestão que priorize o bem-estar coletivo. Quem deixou o evento com uma reflexão mais profunda, talvez tenha saído com a certeza de que, se insistirmos nesse caminho fácil, o preço a pagar será muito maior do que qualquer jackpot prometido.
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