

Sitiado, empobrecido e ignorado — é assim que vive o brasileiro médio em 2025. Segundo pesquisa Datafolha divulgada neste mês, 58% da população afirma que a criminalidade aumentou nas cidades onde vivem. Um em cada quatro diz que a situação permaneceu igual, e apenas 15% percebeu alguma melhora [*].
Esse número já ultrapassa a população total de países como França, Reino Unido ou Itália. São dezenas de milhões de brasileiros vivendo sob um estado constante de insegurança. A violência cotidiana já não choca — ela espreita em cruzamentos, ciclovias e calçadas. Como no caso do ciclista executado na saída do Parque do Povo, em São Paulo, por causa de um celular. Pequenos furtos, hoje, terminam em tiros. E essa é a banalidade do horror.
No Brasil real, o medo do assalto virou o ponto alto de uma rotina esmagada. Esmagada pelo custo de vida, pelo esvaziamento da renda e pela corrosão silenciosa da dignidade. O empobrecimento não nos atinge mais com estardalhaço. Ele se infiltra quando o café vira artigo de luxo, quando o ovo substitui a carne, quando o pagamento do gás é adiado; e quando o ovo de Páscoa — o simbólico — precisa ser parcelado em dez vezes. Um país que parcela comida não está apenas pobre. Está em colapso emocional e material.
Para sair de casa, o brasileiro reaprendeu a se defender. O celular velho virou o novo “item para o bandido” — prática que revive os tempos em que bolsas vazias eram deixadas nos bancos dos carros para despistar ladrões, enquanto as verdadeiras ficavam escondidas. É a adaptação à insegurança, institucionalizada no gesto cotidiano. Já não se vive com liberdade; vive-se com cálculo.
Paralelamente, o Brasil oficial parece operar em outro planeta. Banco Central, CVM e Febraban dedicam-se à agenda ESG, ao compliance climático e às finanças regenerativas. O crime organizado movimenta bilhões — mas é o carbono que ganha vigilância. As instituições regulam o ar, mas sequer protegem a esquina. E os que deveriam garantir segurança preferem se reunir em fóruns sobre governança global do que enfrentar a desordem local.
O dado do Datafolha não é apenas um retrato da criminalidade. É um reflexo da ruptura. Há um Brasil que escreve relatórios e viaja a Bruxelas, e outro que evita olhar para trás no ponto de ônibus. Um que parcela passagens para cúpulas internacionais, e outro que parcela o ovo — o de galinha e o de chocolate.
Mas, claro, o problema — segundo eles — é o carbono. Ou talvez um batom.
[*]: Pesquisa Datafolha realizada entre os dias 1º e 3 de abril de 2025, com 3.054 entrevistas em 172 municípios. Margem de erro de dois pontos percentuais.
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